Buscapé

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Thursday, May 31, 2007

O que é bonito é para se ler e reler


Teenage Wildlife - Cecily Brown
Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Luis de Camões

Thursday, May 24, 2007

Dois elevadores


Waiting Room - Philip Hershberger
Estava a esperar um elevador, quando um sujeito foi e apertou o botão de chamada do outro elevador.

Falou meia dúzia de abobrinhas sobre a situação econômica.
Queixava-se da desorganização do país, da falta de educação do brasileiro e eu só assentia com a cabeça.

Aliás, realmente tudo que ele falava fazia o maior sentido. A má distribuição de renda. A educação já nas últimas, motivos de pilhéria. A saúde deixando a desejar - a morte de todos, os políticos etc.

Começou a entrar então em outras searas, discorreu sobre a falta de solidariedade, da educação, dos exemplos que os pais deveriam dar aos filhos. Nesse momento comecei a me incomodar.

Fiquei pensando cá comigo, tem gente que exige tanto dos outros e nada vê em si. Macaco olha teu rabo.

Afinal se estávamos naquela “conversa de monólogo” é porque decerto um egoísta, não tinha pensado nos outros e havia feito o mesmo que o reclamão ao meu lado. Relembro: ele chamou o segundo elevador, mesmo sabendo que eu aguardava um e, portanto, acionara-o. Aliás, informação fundamental, o sujeito em questão era um magnata que morava na cobertura.

Finalmente, depois de algum tempo olhando para o mostrador dos elevadores – ambos agora na cobertura – e já bastante chateado com a minha indolência ou aparente indiferença - realmente eu estava sem paciência mesmo e dizia quando muito monossilábicos “é” ou acudia com a cabeça – o ricaço disparou:

- E o senhor não vai dizer nada? Não acha que estou certo?
Insistiu tanto que,... Sorri e respondi:
- Por que o senhor chama dois elevadores ao mesmo tempo?
Um momento, uma pausa de reflexão se fez. O elevador chegou, saiu uma linda moça de lá, um anjo, era sua filha.

Wednesday, May 23, 2007

Duplo sentido


Starry Night Double Vision - Ron English
The Starry Night - Vincent van Gogh
Era uma janela, uma pequenina janela. Uma janelinha. Ela tudo via. Os que passavam na rua apressados, os namorados no portão, o jardim florido e os carros rápidos e os preguiçosos.

As outras janelas. Acenava para elas. A árvorelonge lhe trazia os passarinhos, os bem-te-vis, os pintassilgos e as rolinhas. Verde, frondosa e cheia de vida.

Olhava para os outros. Os admirava, criava nomes para cada um que passasse: Maria, Manuel, Ricardo, Clementina, Luiza, Carolina, Joaquim, Marcelo.

Não parava de pensar, refletia no chão e no rosto de muitos o Sol da manhã.

Gostava de ficar decorando as roupas. Percebia cada detalhe. “Olha aquele, usou essa blusa azul e vermelha com estrelinhas na semana passada”. Será que a lavou? Pelo visto não, está toda amarrotada. A loirinha Margareth sempre bem arrumada. Ela é muito vaidosa. Gosto dessa menina, muito sorridente.

Quem são aqueles com capacete? Nunca os vi. E aquilo que apontam para cá? Devem ser de fora. São estranhos. Vestem-se com um negócio dependurado no pescoço. Jorge saiu de casa, foi lá falar com eles. Estão assinando um papel.... Depois de dias uma sombra cresceu.

Nota do blogueiro: Nem tudo que parece é. Nem tudo em dobro é melhor. Nossos olhos estão diante da destruição do mundo.

Tuesday, May 22, 2007

Acordei no meio da madrugada

INSOMNIA FATALE - Robert Gligorov
Hoje acordei às duas da manhã. Porque eu não sabia ainda. Só sei que senti um solavanco. Um estremecer dentro de mim. Uma sensação insólita. Não foi nenhum barulho, não houve nenhum terremoto, nem mesmo alguma razão fisiológica. Acordei do nada. Olhei para o teto assustado. Caminhei até a janela. Nada vi. Nada acontecia lá fora. A noite era cheia. Raros carros passavam nas ruas. Pessoas também. Estava fria. Algo ainda me incomodava. Não sabia o quê. Um aperto no coração. Tentei dormir. Não consegui. Liguei a televisão. Desliguei a tevê. O estranhamento não arrefecia. Parei. O mundo parou. De tanto brigar na cama, cansei e finalmente adormeci. Você havia partido naquela noite. Um acidente aconteceu. Seu coração tinha parado e o meu por instantes também parou. Parou de pulsar de amor. Clamou pelos sentimentos. Brigou com o inevitável, não se conformou. Mais que a vida, aquela noite me levou a vontade de viver.

Friday, May 18, 2007

Em desalinho


Tete D'Homme II from the series - Portraits Imaginaire - Pablo Picasso - 1969
Sempre fui estabanado. Onde fosse derrubava tudo. Talvez pelo crescimento acelerado ainda quando jovem e a coordenação motora deficiente. O corpo tinha crescido e a noção de espaço não acompanhara.

Já no colégio de primeiro grau, hoje ensino fundamental, me via às voltas com as minhas pernas compridas demais. Tropeçava tanto que ganhei o singelo apelido de Tropeço numa referência a um personagem da família Adams.

Com as meninas então era um desastre, ficava todo atrapalhado. Juntava-se ao já natural desastrado uma pitada de timidez e completava-se o vexame. Era um tal de esbarrar, derrubar meninas, cair sentado e até se machucar. Depois, levantar e ver todos aos risos e apontando para mim como se fora um total retardado. Aliás, acho que a impressão era mesmo essa. Quem não me conhecia tinha por mim a nítida opinião de estar diante de um imbecil. Só quem estudava comigo, sabia das minhas notas e tinha certeza que era só mais um desajeitado.

Na educação física me escondia ao máximo, mas seria absurdo conseguir, pois era o maior da turma. Além disso, só por causa da altura achavam que deveria um excelente jogador de vôlei, basquete ou goleiro de futebol, estava eu em destaque. Mas, a descoordenação era tanta que sequer a bola acertava.

Os anos foram passando e o drama aumentando, namorar era confuso, beijar sem machucar a menina, impossível, pisar no pé, algo comum. Dançar era risível, se assemelhava mais a um pangaré num concurso de adestramento tentando ser garboso.

A partir de uma época comecei a me incomodar muito com aquilo. Perguntava-me: por que eu era assim? Acompanhar uma aula de ginástica na academia era hilariante até para mim. Enquanto todos estavam indo para um lado, lá estava um único atrapalhado no sentido contrário. Alguns mais previdentes e velhos conhecidos já se afastavam sabendo do encontrão inevitável. Os risinhos não mais existiam, já éramos adultos, mas os olhares de reprovação talvez fossem ainda piores.

Certo dia, fui convidado para jantar na casa de uma namorada. Tomei todas as precauções, me distanciei do que eu podia derrubar, dos copos à mesa e até dos vãos entre os pés do móvel. Mas, esqueci da empregada. Eis que ela veio com uma jarra de suco a servir. Perguntaram: “quer suco?”. Prevendo o pior, agradeci e recusei. Mas, a mesma voz insistiu: “você precisa provar o suco da Marlene”. Assenti com a cabeça e... virei-me bruscamente, resultado: derrubei tudo. Acachapei a empregada e o que havia por perto. Uma hecatombe completa. Apavorei-me, levantei rapidamente tentando acudir e com os joelhos fiz pior, derrubei todo o jantar. Até mesmo a ex-futura sogra me olhou com ar de reprovação e porque não dizer de insatisfação. Puxou a filha de lado e lhe cochichou algo, como que dizendo: “você namora esse idiota?”. Resultado: nunca mais vi a namoradinha.

Os traumas só fizeram crescer e até uma coisa até então despercebida me ficou mais clara. Afora acanhotado era também incrivelmente desalinhado. Mesmo de terno ficava mulambo. Por mais que as roupas estivessem bem passadas e ajustadas era maltrapilho. As vestes não caíam bem. Até para alfaiate particular apelei, nada resolvia e ainda fui obrigado a ouvir dele o seguinte: “jamais vi coisa igual, você tem altura, não é gordo nem magro, mas é sempre mal-ajambrado, parece sempre um pelintra”. Nem sabia o que queria dizer aquilo, mas boa coisa não era. Naquele dia chorei como criança, que nem como criança havia chorado.

Friday, May 11, 2007

Lá no Cícero

Woman on a Terrace - 1907 - Matisse
As aulas são diversões, um acontecimento preliminar ao recreio – a maior das alegrias – o encontro com os colegas, com as garotas.
De soslaio, acanhadas elas vêm e vão. São mais espertas.
Tudo é diversão, preocupação só com provas e mesmo assim nem tanto. Como é maravilhosa essa convivência.
As meninas ainda são garotas. A saia pregueada dá o “charme”, os rostos cheios de sorrisos e olhares acanhados completam a primeira impressão. Crianças, gurias, futuras mulheres.
Ingenuidade, cabelos soltos pululam ao som da Atlântica. Em algumas é possível ver o mar, calmo, zen, mas às vezes bravio. Todos os meninos querem saber o que se passava dentro daquelas cabecinhas que nada falam. Cochicham por entre os corredores, risinhos. Romances só com os mais velhos, conosco, amizades. Como isso nos chateia! Desejamo-las para nós. Mas a malícia ainda está longe, somos só meninos.
Elas olham para os homens. Maldita natureza que nos dá o desejo e a convivência e não nos dá as armas.
Lindas, pensam em romance, em beijos, em carinhos e no cavalheiro que as vêm buscar. Suas curvas ainda se torneiam por um corpo virginal. As brincadeiras são infantis, maldades não encontram eco. A timidez, presente nos guris, não os deixa ir adiante. Quanto tempo perdido!
A aula de educação física é o melhor dos momentos, é a hora que as veremos de shortinhos. Pernas lindas, cheias de penugens que as podemos desejar sem culpa.
Os idos de 1980 se foram, mas as lembranças teimam em nos trazer as satisfações pueris de outrora. Caros colegas como foi maravilhoso tê-los nesses anos de intensa felicidade clandestina.

Publicado no site Comunique-se em: 07.05.2007

Sunday, May 06, 2007

Cortando palavras


Anton Olea - 1996
Amor é essencial
Envolva-a
Guie-me
Reúne-se alma e desejo, membro e vulva
Só alma?
Ela se expande
Um grito de orgasmo
Corpos entrelaçados
Fundidos
São dois em um
Integração no cosmo?
Chega-se aos astros?
Etérea, eterna?
No clitóris tudo se transforma
Onde se concentraram
A penetração rompe as nuvens
Varado de luz, o coito segue
Se espraia
Além da própria vida
Carne
Gozar
Gozando
Sons, arquejos, ais
Um espasmo
Morremos um no outro
Pausa nos sentidos
Estátuas vestidas de suor
Agradece-se
É o amor terrestre

Baseado na poesia: “Amor, pois que é palavra essencial” de “Carlos Drummond de Andrade”

Wednesday, May 02, 2007

Romantismo numa hora dessas I – “Objetivo Final”

The Wanderer above the Sea of Fog - Caspar David Friedrich - 1818
Estou no meu carro e piso fundo. Fugindo não sei de quê. Olho para frente, a estrada vazia. Deve ser a sensação de liberdade. Mas, sinto que não é bem isso. É uma fuga sim. Escapando do destino, do presente, da angústia.

Falta amor. Essa é a busca incessante do ser humano. Dos filhos, dos pais, dos amigos e da sua companhia. A necessidade essencial de qualquer um.

Buscamos-nos no trabalho. No futebol. Nos bares, nos teatros, nas ruas. Mas, só isso nos completa verdadeiramente. Do quê adianta aquela promoção, o dinheiro a mais, o novo carro, a vitória do seu time se você não tem com quem compartilhar?

O afago, os carinhos dados e recebidos são o que há de mais precioso e que realmente nos tocam. O que mais nos faz sentir uma alegria indecifrável dentro do coração? Perceber o mundo melhor? Em alguns casos nos dar tremedeiras, suores estranhos, palpitações. O que mais?

Sentimentos escassos, fugidios, raros e que nunca nos habituamos por serem assim... tão incomuns. São incontroláveis e impulsivos. Querer bem. Que ação é essa?

Qual o verbo que mais perseguimos com o pé no acelerador, seja você um grande empresário ou um catador de lixo? O amar não faz distinção. Cada um a sua maneira. Modos diferentes, mas não seriam as sensações iguais?

Paremos – nesse mundo conturbado - para pensar. O que mais faz sentido? Afinal vivemos para quê? Qual o objetivo final de cada um?

Amar e ser amado.